domingo, 26 de agosto de 2007

Um quarto.

Eu peso trinta e seis quilos.
No entanto, sou alto. Meço exatamente um metro e oitenta e dois centímetros. Minha garra ossuda fecha-se com força em volta do pescoço de mais uma puta. Ela chora baixinho, mas os mamilos permanecem endurecidos.
Eu a levanto pelo pescoço com facilidade e a deposito gentilmente em meu estômago. O buraco em meu tórax mastiga feliz a carne macia e eu gozo.
A mão esquerda rapidamente procura o pacote de cocaína no chão. Ele é jogado com pressa pra dentro de minha cavidade, juntamente com um punhado de latas de cerveja, e eu entro em êxtase. Prazer.

Incontáveis unhas já quebrei, sentado nesse trono de madeira, arranhando de prazer, arranhando de fome. Fome. O meu estômago ronca, está vazio. Sempre. O buraco arreganha os dentes, mastigando o nada e pode-se ver a garganta secando, enrolando-se, espremendo-se. Sede.

Levanto-me. Os joelhos estalam sob um peso negativo, metafísico, e o suco gástrico escorre da boca de meu estômago. Meus olhos estão injetados. Agarro a Europa com minhas garras e a enfio buraco adentro. Sento-me nas rochas de um oceano vazio, exatamente onde antes era Dresden.
Estico a mão para alcançar a África, mas desisto. Só um pouco da Somália me fará feliz. E talvez algumas guerras étnicas no Congo. Todos triturados pelos dentes de meu estômago, a boca da barriga babando de prazer e mais fome, a língua reptiliana estalando. Fome.

Meus velhos amigos tornaram-se somente alguns incômodos pedaços de carne presos entre os dentes. Devoro os novos lentamente, saboreando o gosto do desconhecido.
Desinteresso-me depois de mastigar metade de suas cabeças, mas termino a refeição por educação. Tédio.

Um sagaz observador, antenado nas velhas e novas tendências das lendas morais, poderia visualizar o final de minha história: eu acabo por devorar a mim mesmo, arrancando pedaço por pedaço.
Sinto muito. A falta de três dedos de minha mão esquerda marcam a tentativa falha, o gosto ruim e podre ainda atormenta o fundo da língua chicoteante da boca de meu estômago.
Eu continuo aqui. Arranhando. Comendo. Bebendo. Cheirando. Gozando. E querendo mais.
Mais.

sábado, 25 de agosto de 2007

Há...

Hoje encontrei uma cabeça de boneca de cera embaixo da minha cama. O ferimento no pescoço ainda estava aberto e expelia lentamente uma substância escura e grossa, característica do sistema circulatório das bonecas de cera.
Os olhos piscavam com languidez e as pupilas reviravam-se, focando o nada. Exatamente como uma barata convulsionando no chão.
Tive pena.
Coloquei a cabeça da boneca de cera cuidadosamente no cesto de palha sobre o criado-mudo. A cabeça piscou rapidamente, talvez assustada com o toque de minha mão quente (tão nociva aos seres de cera!), talvez agradecida com minha preocupação. Mas nada foi falado.

Percebi então que a vida é vertical. Há um degrau marcado em cada rosto.
Um rapaz jovem, realista e interessado nas últimas tendências da filosofia, poderia discordar, afirmando que a vida só poderia se apresentar de maneira horizontal, já que a evolução vertical da existência estaria inclusa em um papo metafísico cansativo, chato e extremamente inútil.
Eu concordaria!

No entanto, a cabeça ainda me olha, ansiando, implorando por um conserto, um novo corpo, uma nova vida.
O fluído viscoso ainda escorre, arrasta-se pelo meu criado mudo até o chão, onde se espalha pelas fissuras do carpete de madeira.
Aquele fluído é um degrau.
Não é uma questão de evolução, avanço. É uma questão de vontade.
A vida é vertical. Eu sorrio, acaricio os minúsculos fios de cabelo artificiais da cabeça da boneca, e penso em aposentadoria.

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Cromatismos de Noite

Foi amor à primeira vista.
Vocês entendem, eu sempre fui volátil. Mas aquela noite foi excessivamente especial: eu tinha dinheiro. E pude gastá-lo com duas Guinness muito bem tiradas.
Soma-se a isso o fato de que as luzes piscavam de forma hipnótica, com um vermelho-cabaret insistente e pequenos flashs de lilás.
E, claro, ela dançava.

Acho que a primeira coisa que eu vi foram os sapatos. Sim, os sapatos. Ok, deve ser estranho ouvir isso, mas aqueles sapatos vermelhos, com salto-agulha, chamavam a atenção enquanto moviam-se pelo piso negro, cheio de reflexos.
E depois seu cabelo. E depois de seu cabelo seus olhos. E depois não vi mais nada, a não ser a sua boca, o baton vermelho forte se aproximando.

- cuidado. não misture álcool com ecstasy. cuidado -

Outras cenas que devem ser extremamente importantes: mãos levantando a saia. uma privada suja e nojenta. uma pia um pouco menos suja e nojenta. um sofá de couro vermelho. um mamilo na boca. um segurança largo e gordo. um murro de um segurança largo e gordo. cinto de segurança. calotas raspadas no meio-fio (merda!). escadas descendo apressadas embaixo de meu puma e dos scarpins dela.

Mais cenas, essas muito mais importantes: a maquiagem ficou no travesseiro. a luz do sol iluminou 3 gordos sinais peludos, enfincados como bandeiras na pela branca, antes tão impecável.

Não sei se foi a ressaca, mas eu pude vê-la montando numa vassoura e voando pra longe.