sábado, 25 de agosto de 2007

Há...

Hoje encontrei uma cabeça de boneca de cera embaixo da minha cama. O ferimento no pescoço ainda estava aberto e expelia lentamente uma substância escura e grossa, característica do sistema circulatório das bonecas de cera.
Os olhos piscavam com languidez e as pupilas reviravam-se, focando o nada. Exatamente como uma barata convulsionando no chão.
Tive pena.
Coloquei a cabeça da boneca de cera cuidadosamente no cesto de palha sobre o criado-mudo. A cabeça piscou rapidamente, talvez assustada com o toque de minha mão quente (tão nociva aos seres de cera!), talvez agradecida com minha preocupação. Mas nada foi falado.

Percebi então que a vida é vertical. Há um degrau marcado em cada rosto.
Um rapaz jovem, realista e interessado nas últimas tendências da filosofia, poderia discordar, afirmando que a vida só poderia se apresentar de maneira horizontal, já que a evolução vertical da existência estaria inclusa em um papo metafísico cansativo, chato e extremamente inútil.
Eu concordaria!

No entanto, a cabeça ainda me olha, ansiando, implorando por um conserto, um novo corpo, uma nova vida.
O fluído viscoso ainda escorre, arrasta-se pelo meu criado mudo até o chão, onde se espalha pelas fissuras do carpete de madeira.
Aquele fluído é um degrau.
Não é uma questão de evolução, avanço. É uma questão de vontade.
A vida é vertical. Eu sorrio, acaricio os minúsculos fios de cabelo artificiais da cabeça da boneca, e penso em aposentadoria.

2 comentários:

Anônimo disse...

E o corpitcho dela?

Unknown disse...

O que eu disse?
Engajado!
Literatura visceral e tal.
Rapaz me escuta, ou melhor, me leia! Vai procurar uma revista, já sei, melhor, fale com um tal de Marcos Moraes, ele é professor da USP. Pelo que pude ver você é da própria universidade, procure-o, qualquer coisa eu te passo o e-mail dele.