domingo, 24 de maio de 2009

...

Enquanto metemos, o gato gordo nos olha.
Sentado sobre a barriga. Preta.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Quase dois anos depois...

Domingo ganhei um ovo de páscoa.
Dentro dele, um sapo gordo e meio azulado me encarava, com um grande sorriso no rosto. A brancura de seus dentes era tão intensa, que pequenos reflexos passeavam pelo meu rosto enquanto comia o chocolate e meu novo amigo me encarava, imóvel.

Tais reflexos lembravam-me de algumas cenas de um passado distante, e não pude deixar de pensar na cabeça de boneca, que ainda sangra sobre o criado mudo de meu quarto.
Ela já foi a representação de uma era em minha vida, e agora parece ser substituída por um sapo gordo, sorridente e azulado.
"hora de dar fim à cabeça de boneca", pensei, enquanto quebrava mais um pedaço do chocolate, sentindo-me hipnotizado pelos dentes impecáveis de meu amigo, que continuava imóvel no meio do centro oco do ovo.

Não só isso, como também, pouco a pouco, comecei a perceber que algo se perdeu dentro das matizes de concreto das minhas veias. O piche, que antes era bombeado com força, começa a perder a ansiedade e passa a circular por Tédio.

O fim de um período.

Guardo ovo e sapo na geladeira.
Acaricio pela última vez os cabelos artificiais da cabeça de boneca, enquanto seus pequenos olhos tremem.
Aos poucos, aumento a pressão da mão, sentindo o látex rasgar.

E já trocaram o carpete de madeira do meu quarto.

domingo, 1 de março de 2009

Aliste-se!

Imagine um distinto cidadão. Seu nome poderia ser algo entre Arnaldo e Jair.
Como todo distinto cidadão, ele tem um bom emprego burocrático numa boa firma burocrática, uma boa mulher dona de casa e dois bons filhos com boa educação em um bom colégio particular.
Sua idade pode ser, caso vocês queiram, por volta dos 28 e 34 anos.
Facilitando, o proclamo com 31 anos, casado há 12 e pai há 9.

Esse jovem cidadão Arnaldo (ou Jair) reencontra-se, num determinado dia, com um velho amigo de infância, cujo nome e cuja idade não dizem respeito a nenhum de vocês.
Digamos que, por exemplo, eles se cruzaram na fila para sacar dinheiro ou entre as prateleiras do mercadinho local.
A partir daí, passam a se encontrar frequentemente para um café após o horário de serviço (deve-se notar, porém, que o amigo de infância de Arnaldo [ou Jair] não tem um emprego fixo e burocrático. Note-se que a verdadeira função trabalhista deste amigo em questão é uma incógnita para Arnaldo [ou Jair]).

Após um determinado momento, esse amigo em questão passa a discorrer, primeiramente de forma cautelosa, depois com empolgação, sobre sua particular visão de mundo (note-se, a visão de mundo do amigo em questão).
Arnaldo (ou Jair) não consegue evitar sua curiosidade e interesse crescentes nessas conversas, que se tornam cada vez mais frequentes.

O fato é que a visão de mundo do Amigo em Questão é completamente diferente da forma com que Arnaldo (ou Jair) levou sua vida até então.
Adiciono, inclusive, que é tão agressivamente contrastante que Arnaldo (ou Jair) não consegue evitar, de forma paradoxal, a atração que sente por essa nova "filosofia".

Pouco a pouco, os valores até então cultivados por Arnaldo (ou Jair) vão sendo despedaçados, minuto a minuto, durante cada conversa.
(Os detalhes destas conversas não serão tratados por respeito à sanidade mental dos queridos leitores)
Na verdade, ao mesmo tempo que a atração de Jair (ou Lucas) cresce, uma secreta raiva passa a ser cultivada pelo Amigo em Questão.

No entanto, Lucas (ou Arnaldo) não tem a força necessária, ou o apego moral necessário, para dar fim a sua corrosiva e auto-destrutiva amizade. Ao contrário de Anna Rosa (vide Um, Nenhum e Cem Mil de Luigi Pirandello, publicado em português pela editora Cosac Naify em 2001...São Paulo), Arnaldo (ou Jair) não tem coragem nem para atitudes drásticas e desesperadas. Isso acontece por conta da característica predisposição de Rodrigo (ou Josefo) a ser...gado. Faltava-lhe qualquer forma de força em sua personalidade. Os motivos para a existência dessa falta são uma incógnita, mas acredito que os leitores conseguirão pensar em pelo menos 7.
Então, pouco a pouco, Ricardo (ou Messias) se vê numa espiral cada vez mais profunda de desespero, loucura e destruição de toda a vida com que havia se habituado, toda a segurança que havia arquitetado e todos os valores pelos quais havia sentido admiração.

Após menos de um mês e meio, Arnaldo (ou Jair) se viu sem emprego, sem filhos, sem mulher, sem apartamento (que por sinal ficava em Alphaville)....e sem seu Amigo em Questão.

Eu posso jurar, pois estava comendo sua mulher e vi tudo acontecendo de perto.




Na verdade, eu era o Amigo em Questão.

E eu vou foder com você também.

quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Epitáfio.

Passado. Presente. Futuro.
Estampados na carne,
assumindo o formato de pigmentos de tinta.

PassadoPresenteFuturo
o que eu fui - uma serpente de duas cabeças
o que eu serei - apresentado ao mundo como uma Bola Escura
o que eu sou - a reencarnaçao, a ode à tecnologia e a visão da destruiçao do mundo, de acordo com as opiniões de um Físico/Espiritualista/Escritor.

Da Índia à Faria Lima.
Da Deformação ao Sadismo.
Da mentira de cada estória
ao som de Deus em cada cabo elétrico.

No Concreto. Na Pedra.
Em cada personagem criado, imaginado, lido, reinterpretado.
Durante cada passo em cada minuto, dentro do barulho de cada toque de cada madrugada.

Enquanto minhas opiniões e formações assumem diferentes colorações,
uma Realidade ainda se mantém
alcançável apenas por mim.
Eterna em cada momento de Trasmutação
e, ainda assim, Hermética em cada linha
de cada Olho de cada Leitor.

passado - presente - futuro
O Preto.
Ausência de Luz.

Agora você pode ir.
Morremos sem morbidez.

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Formação.

Já há alguns milhares de anos, o homem acredita na sua capacidade em alcançar o metafísico, o indizível, o transcendental e/ou a divindade.
Essa busca parece inerente à natureza humana e se manifesta, seja por predisposição biológica, inconsciente coletivo ou educação, desde a mais tenra idade.
Toda criança sente curiosidade em entender e tomar parte da religião ou culto de seus pais, ao mesmo tempo em que tenta vencer as dificuldades (ou as adaptar) de absorver crenças e opiniões subjetivas com tão pouca experiência de vida.

De qualquer forma, ao contrário do que certos cultos orientais costumam acreditar, o Terceiro Olho Já foi conquistado. Ele reside no centro de nossas faces desde o nascimento, pulsando e buscando, Escrutinizando cada aspecto da realidade sensorial e objetiva, alterando-a, transformando-a, subjetivando-a e criando seus novos significados.

E não se enganem: um ateu nada mais é do que um crente que muda o nome de seu deus para "ciência".
São os piores...

Mas eu...
Eu arranquei meu terceiro olho. Prostei-me de frente ao espelho e, com a frieza e a certeza dos lunáticos, fiz a incisão que me serviu como ponto de partida para a remoção completa desse órgão extra.
Meu terceiro olho se foi, jogado e esquecido numa cesta de lixo de um pequeno lavabo de um medíocre apartamento de classe média de São Paulo.

No lugar, um nódulo, um tumor, um corpo estranho, um inimigo. A quarta parte de minha existência e aquele com quem divido os segredos do Vazio.

domingo, 8 de junho de 2008

O Homem que virou Estrela

E aqui se encontra, em seus segundos finais, o Homem.
Você, que teve a coragem, ou o autismo, de desafiar Minhas leis, Minhas regras, Minha própria existência.
Desprezar. Ignorar.

Toda a moral humana e divina foi por você jogada à não-existência. Reduzida a Nada. Tratada como Lixo Irreciclável.
Você caminhou sobre um mundo de destroços. Você caminhou sobre o corpo apodrecido da Família, da Lei & sobre Meu Próprio corpo. Como um Midas Invertido & Perverso, seu toque sugava e triturava todo o Valor.
Você viveu da forma que desejava viver desde a mais tenra idade.
E Eu lhe pergunto: Valeu a pena?

"no fim... no fim só há memórias...a prova de que eu estive aqui e caminhei sobre este concreto...um Homem frente à aniquilação, e que tesouros poderiam haver? memórias...tudo aquilo visto pelos únicos olhos que um dia enxergaram...tudo aquilo que deixou de ser visto e, no entanto, permanece pulsando na mente, vivo...todo o resto...todo o resto..."

E Eu, com o Poder que a Mim foi conferido após 3 mil anos de mortes em Meu Nome, lhe declaro Poeira.

"poeira..."
Como Eu.
"estrela..."
Como Eu.

"Poeira Estelar". Poeira Estelar

terça-feira, 1 de abril de 2008

Scry

Segunda à Esquerda, errei o caminho.
Ao me aproximar da rotatória, avistei o sinal do amarelo ao vermelho. Parando o carro, observei a rampa de acesso à direita, o caminho de casa. À Esquerda, nova rampa de acesso, luzes Apagadas ou Queimadas escondiam o caminho.
Dez minutos depois aquele sinal continuava vermelho. Não poderia me atrever, então continuava a esperar. Nenhum carro na rua, além de meu rádio só o silêncio da madrugada. E o vermelho Fixo & Imutável.

Vocês já ouviram o barulho da eletricidade? Desligue seu rádio, prenda a respiração. Você pode ouvi-la através do pêlo de seus braços. Fixa, contínua, uma corrente de pura baixa-frequência.
Exalada como um cheiro pelos fios, postes e pelo Vermelho daquele Sinal. Não havia toque engrenoso algum naquela noite.

Flashes. Imagens Descontínuas & Descompassadas, extraídas de Películas Cinematográficas Amareladas, arrancadas de rolos envelhecidos, Rodando & Arranhando. Rasgo em meus tímpanos e contraposição em meus olhos. Barulho & Cores.
Scry.

Levanto a cabeça, sentindo o sangue seco em meus ouvidos. À minha frente encontro a segurança, o conforto de sua Pupila, imóvel. O centro ligeiramente mais claro que o vermelho vivo do entorno.
Sua Alma percorre a superfície de minha pele e mal consigo notar que não há mais rampa à direita.
"um dia me deixará passar", penso. "um dia me deixará passar e eu não terei mais nada além de dois Olhos Esquerdos".
Estática.